Príncipe

Príncipe:
Era de noite quando eu bati à tua porta
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
e não me conheceste.
Era de noite
são mil e umas
as noites em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
quando eu batia à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me
pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira
instância do momento de eu surgir
e tu veres-me.
Era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
e viste-me
como um náufrago sussurrando qualquer coisa
que ninguém compreendeu.
Mas era de noite
e por isso
tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa.
Ah era de noite
e de súbito tudo era apenas
lábios pálpebras intumescências
cobrindo o corpo de flutuantes volteios
de palpitações trémulas adejando pelo rosto.
Beijava os teus olhos por dentro
beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão sobre o meu pensamento
corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada
de apenas poder pensar-te.


São mil e umas
as noites em que não bato à tua porta
e vens abrir-me

O Poeta é um Guardador

o poeta é um guardador


guarda a diferença
guarda da indiferença


no incerto
guarda a certeza da voz

A Humildade

a humildade
o desenfreio em tipo pequeno
antídoto aos dédalos
assoma
assombra
ensombra


oh que embargo
que aspas
que estacionário capricho

A Felicidade é um Túnel

o domínio
o erotismo do domínio
do domínio irrisório
mas enorme


submeter
ver tremer
ver o tremor do outro


vencer
o gelo
o desdém
veloz


a felicidade é um túnel

Saber

saber
é saber saber-te
sabermo-nos unir


unirmo-nos
é conhecermo-nos
sabermos ser


por fim sermos
é sabermos
sabermo-nos


conhecermos
a surda áspide

Esta Noite Morrerás

Esta noite morrerás.
Quando a lua vier tocar-me o rosto
terás partido do meu leito
e aquele que procurar a marca dos teus passos
encontra urtigas crescendo
por sobre o teu nome.
Esta noite morrerás.
Quando a lua vier tocar-me o rosto
terás partido do meu leito
e uma gota de sangue ressequido
é a marca dos teus passos.
No coração do tempo pulsa um maquinismo ínscio
e na casa do tempo a hora é adorno.
Quando a lua vier tocar-me o rosto a tua sombra extinta marca
o fim de um eclipse horário de uma partida iminente e o tempo
apaga a marca dos teus passos sobre o meu nome.
Constante.
O mar é isso.
A lua vir tocar-me o rosto e encontrar urtigas crescendo
por sobre o teu nome.
O mar é tu morreste.
O mar é ser noite e vir a lua tocar-me o rosto quando tu par-
tiste e no meu leito crescem folhas sangue.
A febre é uma pira incompreensível como a aparição da lua
e a opacidade do mar.
No meu leito a lua vai tocar-me o rosto e a tua ausência é um
prisma, um girassol em panóplia.
Agora a lua chega devagar e o mar é o leito de tu teres
partido, uma infrutescência de eu procurar a marca dos teus
passos por sobre o meu rosto.
A noite é eu procurar a marca dos teus passos.
Esta noite a lua terá um halo de concêntricas florações
de gotas do teu sangue e a irisada sombra do meu leito
é o teu rosto iminente.
A lua é uma seta.
Tu partiste é o silêncio em forma de lança.
Esta noite vou erguer-me do meu leito e quando a lua vier
tocar-me o rosto vou uivar como um lobo.
Vou clamar pelo teu sangue extinto.
Vou desejar a tua carne viva, os teus membros esparsos,
a tua língua solta.
O teu ventre, lua.
Vou gritar e enterrar as unhas nos teus olhos até que
o mar se abra e a lua possa vir tocar-me o rosto.
Esta noite vou arrancar um cabelo e com a tua ausência faço
um pêndulo para interrogar a lua por tu teres partido e a marca
dos teus passos ser a razão mágica de a lua poder surgir de
noite e urtigas crescerem no meu leito.
E se encontrar a marca dos teus passos vou crivar-lhe
o coração de alfinetes para que tu partiste seja a razão
mágica de tu poderes morrer-te.
Quando a lua vier em forma de lança vai trespassar um pássaro
para lhe ler nas entranhas a direcção tu partiste e a marca dos
teus passos consiste nos olhos abertos de um pássaro esventrado.
Ah, mas o luar é uma pluma do meu leito e a lua é o colo de
tu morreste para poderes enfim tocar-me o rosto.

Que é voar?

Que é voar?
É só subir no ar,
levantar da terra o corpo,os pés?
Isso é que é voar?
Não.


Voar é libertar-me,
é parar no espaço inconsistente
é ser livre,leve,independente
é ter a alma separada de toda a existência
é não viver senão em não -vivência


E isso é voar?
Não.


Voar é humano
é transitório,momentâneo...


Aquele que voa tem de poisar em algum lugar:
isso é partir
e não voltar.

Um ritmo perdido...

Se uma pausa não é fim
e silêncio nâo é ausência,
se um ramo partido não mata uma árvore,
um amor que é perdido,será acabado?


um ouvido que escuta
uma alma que espera...
-uma onda desfeita
É ou já não era?


Nuvem solitária,
silenciosa e breve,
nuvem transparente,
desenho etéreo de anjo distraído...


nuvem,
esquecida em céu de esperança,
forma irreal de sonho interrompido..


nuvem,
luz e sombra,
forma e movimento,
fantasia breve de ânsia de infinito...


nuvem que foste
e já não és:
desejo formulado e incompreendido.